É possível cobrar honorários de sucumbência de beneficiários da Justiça gratuita?
Alterada pela lei 13.467/2017, que instituiu a Reforma Trabalhista, a CLT prevê honorários advocatícios de 5% a 15% nas causas trabalhistas. O montante será arbitrado de acordo com o zelo e o tempo gasto pelo advogado, o local da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa.
De acordo com o novo artigo 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os honorários poderão ser cobrados ainda que haja gratuidade.
Nesses casos os valores podem ser descontados do montante a ser recebido ao fim da ação judicial ou suspensos por dois anos (art. 791-A, § 4°), sendo a outra parte responsável por provar até o fim desse período que houve mudança na situação financeira do trabalhador.
A previsão legal, entretanto, não tem impedido uma multiplicidade de entendimentos no Judiciário. Além de decisões pela suspensão durante dois anos, situações em que juízes e desembargadores entenderam que a regra deve ser afastada por dificultar o acesso à Justiça e ser contrária a acordos internacionais ratificados pelo Brasil.
A palavra final deverá ser dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema, a ADI 5.766. O processo, que começou a ser analisado em maio e está empatado, foi suspenso por pedido de vista do ministro Luiz Fux.
A ação foi proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que questiona os artigos da CLT implementados pela Reforma que determinam a possibilidade de pagamento de honorários pelos trabalhadores, inclusive os que são beneficiários da Justiça gratuita.
É frequente o entendimento de que a previsão evita os pedidos “aventureiros” na Justiça do Trabalho.
Muitos defendem que a medida cria um critério de igualdade entre as partes no processo trabalhista, bem como que a cobrança de honorários é um fator que levou à queda no número de ações após a entrada em vigor da Reforma.
Certo é que a regra traz um tratamento isonômico aos advogados que defendem trabalhadores e empresas. Serão dois profissionais realizando o mesmo tipo de trabalho.
Há também o outro lado, que entende que o objetivo da Reforma Trabalhista nesse ponto é criar ao trabalhador o temor de que haja a condenação, resultando em um desestímulo à procura pela Justiça trabalhista, consequentemente garantindo uma espécie de anistia às empresas que estejam descumprindo a legislação trabalhista.
Regra de 2 anos
Com a aprovação da Reforma Trabalhista em novembro do ano passado, começam a chegar agora aos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) os primeiros casos ajuizados após a vigência das novas regras. Em relação aos honorários, algumas decisões aplicam o prazo de dois anos previsto na Reforma.
É o caso do processo n° 1002188-88.2017.5.02.0060, julgado em 11 de setembro pela 6ª Turma do TRT da ª Região, em São Paulo. O colegiado rejeitou o pedido de uma trabalhadora para reverter a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência no percentual de 5% sobre os itens não aceitos pela 1ª instância.
A relatora, juíza Sueli Tomé da Ponte, considerou que o artigo 791-A da CLT “prevê suspensão, e não isenção, da obrigatoriedade de pagamento dos honorários de sucumbência, que somente poderão ser executados nos casos em que o credor, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, demonstrar que a parte autora/sucumbente não mais se enquadra na situação de hipossuficiência que justificou a concessão da gratuidade”.
Sob o mesmo argumento a 3ª Turma do TRT da 5ª Região, de Pernambuco, determinou a aplicação da regra da suspensão de dois anos ao caso de uma ex-funcionária do município de Surubim (PE) no processo 0000056-39.2018.5.06.0251. A beneficiária da Justiça gratuita foi condenada a pagar os honorários correspondentes a 5% do valor atualizado da causa.
No TRT3, que abrange o estado de Minas Gerais, por exemplo, as decisões têm derrubado a obrigatoriedade
O entendimento, dentre outros casos, foi aplicado ao processo envolvendo um operador de betoneira beneficiário da Justiça gratuita julgado em 13 de setembro.
O trabalhador buscava na Justiça diversas verbas, como horas extras, diferenças salariais e PLR (Participação nos Lucros e Resultados). Obteve uma vitória parcial, mas havia sido condenado pela 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares a arcar com os honorários dos advogados da parte contrária, no percentual de 10% sobre as parcelas consideradas totalmente improcedentes. Já no tribunal, o relator do caso, desembargador Paulo Roberto de Castro, da 7ª Turma do TRT3, considerou que a obrigação dificulta o acesso à Justiça, o que feriria acordos internacionais do qual o Brasil participa, como o Pacto de São José da Costa Rica.
Segundo Castro, o fato de um trabalhador ter o benefício da Justiça gratuita evidencia que o pagamento das custas implicaria em prejuízos ao seu sustento ou de sua família. “E tal circunstância não se altera diante da possibilidade de recebimento de créditos em juízo pelo trabalhador, ainda que em outro processo, diante do caráter alimentar das verbas deferidas nesta seara trabalhista, necessárias à sobrevivência do trabalhador”, definiu o desembargador. Por fim, Castro considerou que a regra vai na “contramão do princípio da proteção”, declarando como inválido o artigo 791-A da CLT. A decisão foi dada no processo 0010223-59.2018.5.03.0135. Em outra decisão, dessa vez do Rio de Janeiro, a juíza Danielle Soares Abeijon, da 27ª Vara da capital fluminense, considerou que enquanto uma trabalhadora permanecer na situação econômica que lhe garantiu a gratuidade na Justiça, não poderá arcar com os honorários ao advogado da parte contrária. A discussão consta no processo 0100136-42.2018.5.01.0027. Para afastar qualquer tipo de cobrança, Danielle citou o artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal, que define que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Em maio votou o relator, ministro Luis Roberto Barroso, que propôs uma interpretação dos artigos de acordo com a Constituição.
O magistrado propôs três teses: 1) O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e honorários de seus beneficiários; 2) A cobrança de honorários sucumbenciais poderá incidir: a) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; b) sobre o percentual de até 30% do valor que excedera o teto do regime geral de previdência social, quando pertinentes a verbas remuneratórias; e 3) é legítima a cobrança de custas judiciais em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante sua prévia intimação pessoal, para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.
Divergindo, o ministro Edson Fachin entendeu pela inconstitucionalidade da regra. “Entendo que a restrição no âmbito trabalhista das situações em que o trabalhador poderá ter acesso à gratuidade da justiça pode conter em si a aniquilação do único caminho que dispõem esses cidadãos de verem garantidos seus direitos sociais trabalhistas”, afirmou à época.
Depois dos dois votos, Fux pediu vista.