O que era contravenção penal se tornou o crime de importunação sexual
A Lei nº 13718/2018, publicada no dia 25/09/2018, altera o Código Penal brasileiro para inserir o artigo 215-A que estabelece o crime de importunação sexual, cuja pena cominada para o ato é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se não constituir crime mais grave, classificado no rol de crimes contra a liberdade sexual, que disciplina:
"Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Considerada anteriormente como contravenção penal, no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais (3688/41), onde a prática de “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor” era punida com multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, o dispositivo penal deixa de considerar o pudor como fato determinante, para inserir como delito a prática de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de outrem.
Note-se que o crime não pode confundir-se com a hipótese de estupro (art. 213, CP), quando a conduta tipificada é de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
É que no caso do estupro há uma violência ou grave ameaça que constrange alguém a praticar ou deixar que com ele se pratique ato libidinoso. Já no crime de importunação sexual não há essa violência ou ameaça grave: o ato é praticado sem a anuência da vítima, e não há agressão contra ela para que se permita o ato.
Exemplo claro do encaixe da supracitada norma foi o caso ocorrido em 29 de agosto de 2017, no qual um homem “assediou” uma mulher dentro de um ônibus ao ejacular em seu pescoço (CARTA CAPITAL, 2017). À época, o magistrado do caso entendeu que não houve violência e que a ação não configurava crime de estupro, mas apenas contravenção penal.
Em sua justificativa, o juiz afirmou que ao ejacular no pescoço da passageira, o agente do ato não foi violento nem ameaçou a vítima. “Na espécie, entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco do ônibus quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”, ponderou.
No início do corrente ano, entretanto, o ato se repetiu (G1, 2018). Os casos levantaram polêmica a respeito da configuração do crime de estupro ou não nestes casos, bem como a eficácia da caracterização da prática como contravenção penal e a ofensa ao pudor.
O novel crime de importunação sexual tem como bem jurídico protegido a liberdade sexual da vítima, tanto que foi neste capítulo que o tipo penal foi inserido.
Assim, o crime veio para coibir as manifestações referidas anteriormente, visando a punição de um ato que nitidamente configura a violação à liberdade sexual, mas não pode (em razão das circunstâncias fáticas) ser considerado como estupro.
Neste sentido, a respeito das singularidades do crime, anote-se que é crime comum, isto é, pode ser praticado por qualquer pessoa, sendo ou não do mesmo sexo ou gênero que a vítima. Esta, por sua vez, também pode ser qualquer pessoa, incluído aí também os vulneráveis. O elemento subjetivo sempre será o dolo direto e especial, isto é, a vontade livre e consciente de satisfazer a própria lascívia ou de terceiros. O momento consumativo será com a efetiva prática do ato libidinoso, admitindo tentativa. É possível a concessão da sursis processual em razão da cominação da pena mínima de um ano, sendo a ação penal pública incondicionada, assim como todas as decorrentes dos crimes sexuais.
Ora, não há dúvidas que a legislação deu importante passo na caminhada pelo reconhecimento das liberdades sexuais e punição das respectivas violações, sobretudo em atenção às condutas observadas no mundo moderno, em que a presença de violência ou ameaça nem sempre se percebe num caso de violação de liberdade sexual. Conferir um tratamento mais rigoroso para situações em que há uma intromissão indevida na esfera de liberdade sexual da vítima é necessário para fins de prevenção geral. No que tange a importunação sexual, a incriminação é importante para tutelar as situações em que o constrangimento praticado em desfavor da vítima não configura estupro, que foi o que ocorreu no caso da ejaculação no ônibus em São Paulo.